terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Querido

Alguma coisa em como seus olhos se mexem. Eu sei que tem alguma coisa diferente. Eles não têm o movimento correto, estão sempre correndo. Não se fixam em nada. Inconstantes, eles são inconstantes. Quando param defronte aos meus, nunca parecem ter certeza do que dizem. Sim, são de todo mentirosos. Dissimulados que são, só os vim perceber em sua natureza esta noite, algumas horas antes de estar registrando minhas conclusões neste papel. A verdade é que minha desatenção e meu sentimento desesperado me fizeram passar por cima das evidências. Seus olhos conseguiram me enganar. Até hoje.

Após perceber seu olhar, não demorou muito para descobrir seus gestos. O que antes eu achava ser um simples sorriso, se tornou amarelo, cheio de desculpas incutidas. Sua postura sutilmente encurvada me indicou mistério, um compilado de segredos sobre si, que seu corpo não queria me mostrar. Suas mãos firmes e longas me pareceram ásperas e seus braços nunca estiveram realmente perto. Suas pernas grossas eram a única parte calma. Sempre posicionadas levemente uma a frente da outra, não tinham os mesmos sintomas de inquietação das minhas. Ele estava dissimulando de novo.

- Ouça, querida, não precisa desse esforço, eu mesmo vou lá com você depois! Você sabe que eu também quero ir tanto quanto você. E com você! Eu estou tão satisfeito de estar aqui com você agora. Eu gosto de você.
-Hum, tá bom.

Você, você, você, você, você, você... Não, não eu. Você! Ele é quem estava controlando a situação, me levando para a apatia como sempre fazia quando me deixava. É assim que funciona: se não fico feliz, fico apática. Perco o humor. Mas não é assim que as coisas funcionam? Ao menos, esta era a única maneira que eu conhecia.

Olhei em seus olhos de novo. Eles estavam me medindo, esperando minha expressão. Quis sair daquele lugar imediatamente. Não ter de lidar com aqueles olhos inseguros seria o mais coerente. Respirei fundo. Deixei que meu corpo relaxasse. Olhei para o lado e quando voltei ao seus olhos, minha face estava leve, risonha. Sorri para ele, lhe dei um beijo no rosto e saí andando em passos normais, estabilizados, seguros. Não tinha porque ficar apática mais uma vez. Já havia descoberto seus olhos. Agora eles não me enganavam. Não mais.